segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Ética e política : a política concentrada na corrupção

Renato Janine Ribeiro

A moral política na TV: a questão da corrupção

Se a discussão ética se reduz à questão sexual, a discussão política se reduz à corrupção. (É a sua maneira de subordinar-se a uma moralidade elementar, de senso comum, fraca). Raro é o assunto político a ser debatido em público fora dessa agenda. Aliás, embora haja vários programas de televisão em que diversas tendências políticas se expressam, uma cultura do debate político é relativamente rara entre nós, uma vez que ainda não se entende bem que seja normal haver divergências. Estas geralmente são expostas como desvios, não como alternativas legítimas. Daí, talvez, o peso da corrupção como tema, que permite um recorte claríssimo entre o certo e o errado. Curiosamente, daí também procede que seja um tema de facílima manipulação: basta lembrar que o candidato a presidente que mais insistiu no combate à corrupção, desde que voltou a haver eleições livres, acabou justamente condenado à perda do cargo, pelo Senado Federal, acusado desse crime.

O problema aqui é que se criminaliza – ao menos potencialmente – a divergência, ao ser ela concebida como desvio com o qual somente se lida mediante a punição. O resultado é que não se consolida uma cultura política – democrática por excelência – do debate e da divergência, mas idealmente se postula, quase sempre, um consenso, estranhando-se enormemente a discordância. O comum é efetuar uma caricatura da posição oposta. Daí também que, nos ataques aos defensores dos direitos humanos, esses mal tenham a oportunidade de comparecer ou de falar. No caso das políticas públicas, entre as quais avulta a privatização, isso implica que as emissoras, comprometidas com a sua defesa, mal dêem espaço a quem se opõe a ela – e, pior que isso, até mesmo neguem a racionalidade dos críticos da privatização.

Campanhas contra a corrupção

Exemplos dessas grandes causas, apresentadas como consensos, foram três campanhas: contra o presidente Fernando Collor, na reta final de seu governo, em 1992; contra a Igreja Universal – essa segunda campanha, praticamente só conduzida pela Globo – em meados da década de 90; e, em 2000, contra o então prefeito Pitta, de São Paulo.

Há uma nobreza, nas grandes causas; elas se impõem a todos, como deveres; não comportam muita discussão, a não ser a denúncia e as providências que se seguem. Contudo, embora possam constituir uma faxina necessária, não ajudam, por si, a democratização da sociedade – e justamente porque a seu respeito cabe pouca controvérsia. Elas convertem a política em atividade judicial e mesmo policial. Submetem a escolha, que é a grande questão política, a critérios prévios de certo e errado. Assim, dispensam o cidadão de analisar alternativas igualmente legítimas. E desse ponto de vista a própria emepeização da política, a que aludíamos, não é positiva – porque reduz a política a uma aplicação de medidas legais, esquecendo que a política está em certa medida acima ou antes da lei, já que no seu âmbito se escolhe qual lei deve reger-nos.

O problema de se constituir a corrupção como o grande problema político é que ela não é um problema político, mas moral: com ela se esquece o caráter constituinte da política, assim reduzida a uma simples aplicação de valores, de preferência válidos eternamente.