sábado, 31 de julho de 2010

Isabel Allende conta histórias sobre a paixão

Nesta conversa, a escritora e ativista Isabel Allende fala sobre mulheres, criatividade, a definição de feminismo e, claro, sobre paixão.

http://www.ted.com/talks/lang/por_br/isabel_allende_tells_tales_of_passion.html

sexta-feira, 30 de julho de 2010

A cor do dinheiro VI - (História do Racismo I)

A cor do dinheiro V - (História do Racismo I)

A cor do dinheiro IV - (História do Racismo I)

A cor do dinheiro IV - (História do Racismo I)

A cor do dinheiro III - (História do Racismo I)

Vídeo - A cor do dinheiro II (A História do Racismo I)

Vídeo - A cor do dinheiro I (A História do Racismo I)

SINOPSE:
Como parte da comemoração do bicentenário da Lei de Abolição ao Tráfico de Escravos (1807) na Inglaterra, a BBC 4, dentro da chamada "Abolition Season", exibiu uma série composta por três episódios, independentes entre si, abordando a história e os aspectos do racismo pelo mundo. São eles: "A Cor do Dinheiro", "Impactos Fatais" e "Um Legado Selvagem".
FICHA TÉCNICA:
Diretor: Paul Tickell
Gênero: Documentário
Duração por Episódio: 60 min
País: UK
Ano: 2007

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Bons Dias - Crônica de Machado de Assis

Crônica publicada no jornal Gazeta de Notícias, em 19 de maio de 1888, uma semana após a Abolição da Escravatura.

Eu pertenço a uma família de profetas après coup, post factum, depois do gato morto, ou como melhor nome tenha em holandês. Por isso digo, e juro se necessário fôr, que tôda a história desta lei de 13 de maio estava por mim prevista, tanto que na segunda-feira, antes mesmo dos debates, tratei de alforriar um molecote que tinha, pessoa de seus dezoito anos, mais ou menos. Alforriá-lo era nada; entendi que, perdido por mil, perdido por mil e quinhentos, e dei um jantar.

Neste jantar, a que meus amigos deram o nome de banquete, em falta de outro melhor, reuni umas cinco pessoas, conquanto as notícias dissessem trinta e três (anos de Cristo), no intuito de lhe dar um aspecto simbólico.

No golpe do meio (coup du milieu, mas eu prefiro falar a minha língua), levantei-me eu com a taça de champanha e declarei que acompanhando as idéias pregadas por Cristo, há dezoito séculos, restituía a liberdade ao meu escravo Pancrácio; que entendia que a nação inteira devia acompanhar as mesmas idéias e imitar o meu exemplo; finalmente, que a liberdade era um dom de Deus, que os homens não podiam roubar sem pecado.

Pancrácio, que estava à espreita, entrou na sala, como um furacão, e veio abraçar-me os pés. Um dos meus amigos (creio que é ainda meu sobrinho) pegou de outra taça, e pediu à ilustre assembléia que correspondesse ao ato que acabava de publicar, brindando ao primeiro dos cariocas. Ouvi cabisbaixo; fiz outro discurso agradecendo, e entreguei a carta ao molecote. Todos os lenços comovidos apanharam as lágrimas de admiração. Caí na cadeira e não vi mais nada. De noite, recebi muitos cartões. Creio que estão pintando o meu retrato, e suponho que a óleo.

No dia seguinte, chamei o Pancrácio e disse-lhe com rara franqueza:

- Tu és livre, podes ir para onde quiseres. Aqui tens casa amiga, já conhecida e tens mais um ordenado, um ordenado que...
- Oh! meu senhô! fico.
- ...Um ordenado pequeno, mas que há de crescer. Tudo cresce neste mundo; tu cresceste imensamente. Quando nasceste, eras um pirralho dêste tamanho; hoje estás mais alto que eu. Deixa ver; olha, és mais alto quatro dedos...
- Artura não qué dizê nada, não, senhô...
- Pequeno ordenado, repito, uns seis mil-réis; mas é de grão em grão que a galinha enche o seu papo. Tu vales muito mais que uma galinha.
- Justamente. Pois seis mil-réis. No fim de um ano, se andares bem, conta com oito. Oito ou sete.

Pancrácio aceitou tudo; aceitou até um peteleco que lhe dei no dia seguinte, por me não escovar bem as botas; efeitos da liberdade. Mas eu expliquei-lhe que o peteleco, sendo um impulso natural, não podia anular o direito civil adquirido por um título que lhe dei. Êle continuava livre, eu de mau humor; eram dois estados naturais, quase divinos.

Tudo compreendeu o meu bom Pancrácio; daí pra cá, tenho-lhe despedido alguns pontapés, um ou outro puxão de orelhas, e chamo-lhe bêsta quando lhe não chamo filho do diabo; cousas tôdas que êle recebe humildemente, e (Deus me perdoe!) creio que até alegre.

O meu plano está feito; quero ser deputado,e, na circular que mandarei aos meus eleitores, direi que, antes, muito antes da abolição legal, já eu, em casa, na modéstia da família, libertava um escravo, ato que comoveu a tôda a gente que dêle teve notícia; que êsse escravo tendo aprendido a ler, escrever e contar, (simples suposições) é então professor de filosofia no Rio das Cobras; que os homens puros, grandes e verdadeiramente políticos, não são os que obedecem à lei, mas os que se antecipam a ela, dizendo ao escravo: és livre, antes que o digam os poderes públicos, sempre retardatários, trôpegos e incapazes de restaurar a justiça na terra, para satisfação do céu.

Boas noites.


Texto extraído do livro
Obra Completa, Vol III. Machado de Assis. 3ª edição. José Aguilar, Rio de Janeiro. 1973. p. 489 - 491.


A questão racial segundo João Baptista Borges Pereira

Existe preconceito racial no Brasil?

João Baptista Borges Pereira: O preconceito racial é apenas uma modalidade de preconceito. Em sentido amplo, é encontrado em todas as sociedades humanas. O preconceito é expressão do que em antropologia se denomina de etnocentrismo. O etnocentrismo é a tendência, ao que tudo indica universal, que leva indivíduos, grupos e povos à supervalorização de suas própria expressões de vida, conduzindo-as, consequentemente, a subestimar as características de outros indivíduos, grupos e povos. Atrás do preconceito está a imagem estereotipada do outro, do estranho, a exaltar qualidade, a enxergar defeitos. Portanto, o preconceito tem como ponto de apoio as características somáticas, físicas, biológicas, de determinados grupos humanos. Quando se indaga da existência desse fenômeno entre nós, há alguns pontos a serem considerados: em primeiro lugar, as sociedades do tipo multirracial, isto é, aquelas que abrigam segmentos oriundos de diversos estoques “raciais”, como é o caso do Brasil, tendem a enfrentar a erupção desse fenômeno como um problema social que surge dentro de suas fronteiras; em segundo, ainda que nossa atenção se oriente para o preconceito como problema que afeta as relações entre brancos e pretos, não nos esqueçamos que ele permeia, com menor rigor, é verdade, as interações que se estabelecem entre diferentes grupos “raciais”, brancos ou não; em terceiro lugar, precisamos distinguir o preconceito da discriminação e da segregação. A discriminação é o processo de marginalização social e cultural imposta ao homem ou ao grupo “diferente”. A segregação, por sua vez, conduz ao isolamento, inclusive geográfico, do grupo preconceituado ou discriminado. Quando se discute a situação do grupo negro no Brasil, deve-se ter em mente estas distinções. Diferentemente do que ocorre com o negro americano, o preto brasileiro é alcançado de forma velada pelo preconceito e pela discriminação, mas não é atingido pela segregação. Ainda dentro desse diapasão comparativo, enquanto o negro americano é vítima do preconceito de origem, o negro brasileiro é envolvido pelo preconceito de marca. Oracy Nogueira, sociólogo paulista, discute muito bem essa distinção, ao mostrar que, no primeiro tipo de preconceito, basta o indivíduo ter em sua ascendência alguém de cor negra para ser preconceituado. É o preconceito de sangue. No segundo caso, que reflete a situação brasileira, não interessa a ascendência do indivíduo, mas sim os seus traços, a sua marca. Se o indivíduo não apresenta traços negróides, mesmo que tenha ascendência negra, é branco, e como tal é tratado. Por fim, sempre comparativamente, o preconceito e as restrições ao negro, dentro dos padrões americanos, são feitos abertamente, às claras. No Brasil, esses fenômenos são ordenados por padrões ideais vinculados ao que se convencionou rotular de democracia racial. Por diferentes motivos, brancos e pretos evitam desafiar tais padrões e o resultado é que o preconceito e a discriminação se manifestam de maneira velada, às escondidas. Essa dissimulação, aliada ao fato de nossa realidade racial ser examinada à luz de modelos americanos, é que desnorteou alguns estudiosos, levando-os à conclusão de que no Brasil não havia preconceito racial.

Nossa vida política, educativa, cultural, religiosa (em termos cristão), raramente nos revela uma personalidade negra. O que explicaria isso?

João Baptista Borges Pereira: Essa falta de personalidades negras em diferentes dimensões da sociedade brasileira significa, é óbvio, que o grupo não participa da vida sociocultural. É, portanto, manifestação convincente de um processo de discriminação muito eficiente, ainda que velado. Entre outros fatores, há atrás desse fato o que Florestan Fernandes chama de histórica “carência institucional”. Isto é, o regime escravocrata eliminou toda e qualquer possibilidade de o negro preservar, em termos brasileiros, as suas instituições originais e, ao mesmo tempo, impediu-o de copiar e pôr em funcionamento as instituições adotadas pela cultura portuguesa, aqui identificada ao mundo dos brancos. Como se sabe, são instituições - família, por exemplo – que preparam os indivíduos para viver em sociedade. Viver em sociedade significa dominar técnicas sociais e assimilar padrões culturais, requisitos indispensáveis para que o indivíduo possa disputar e preservar posições na estrutura social. O negro sofre, portanto, o impacto dessas condições desfavoráveis, na medida em que tal carência ou seus efeitos se projetam até a atualidade, agindo negativamente em seu processo de integração em nossos quadros sociais e culturais.

Por que, excetuando trabalhos humildes, o setor artístico é o que mais recebe contribuição do negro?

João Baptista Borges Pereira: Temos aqui que distinguir cultura negra de grupo negro e negro-tema de negro-agente. Ainda que esse aspecto não tenha sido sistematicamente estudado, é lícito reconhecer que todas as expressões da cultura brasileira estão impregnadas, em maior ou menor grau, de influência da tradição negra. E essa contribuição se expressa de forma mais eloqüente nas esferas artísticas, principalmente no campo musical. Mas a aceitação de elementos culturais não significa, necessariamente, a aceitação do elemento humano a ele identificado. Assim, um homem branco pode encontrar prazer na música negra, pode se deliciar com a culinária negra, pode adotar em seu vocabulário termos de origem negra, sem contudo aceitar, como igual, o homem negro. De outro lado, o negro como tema de arte, ainda que valorizado pelo modernismo, é algo que tem encontrado grande receptividade na nossa tradição cultural. Porém, o negro-agente, isto é, aproveitamento do negro como agente humano ligado às atividades remuneradas que gravitam em torno dessas expressões artísticas, não tem seguido o mesmo ritmo. Por exemplo, toda a música erudita brasileira, a partir da década de 20 até a de 30, foi profundamente influenciada pela temática negra. Entretanto, o negro como intérprete profissional não surge na cena musical erudita. Ele aparece apenas no campo da música popular, onde, a par da revalorização e da aceitação da música urbana “negra”, o preto encontrou condições favoráveis de profissionalização.

Quais as medidas para eliminar tal conflito?

João Baptista Borges Pereira: Uma coisa parece certa: enquanto se pode pensar em medidas para atenuar as ações discriminatórias e segregatórias, pois estas se exteriorizam num plano manipulável pelo sistema formal de controle social, o mesmo não parece ocorrer em relação ao preconceito. Este é acima de tudo uma crença, e, como tal, profundamente enraizada nos domínios das emoções humanas. E esse campo paradoxal e contraditório, diferente do racional, não é facilmente alcançado pelas técnicas de esclarecimento da opinião pública. Contudo, algo pode ser tentado, embora nem isto ainda tenha sido feito entre nós: deve-se lançar mão dos modernos meios de influenciar pessoas, rádio e televisão, por exemplo, e coloca-los sistematicamente a serviço de campanha esclarecedora que irá beneficiar tanto brancos como pretos, tanto os que preconceituam, como os que são preconceituados.

A questão racial segundo Florestan Fernandes

Revista USP, n. 68

Existe preconceito racial em nosso país?

Florestan Fernandes: Na verdade, nos acostumamos à situação existente no Brasil e confundimos tolerância racial com democracia racial. Para que esta última exista não é suficiente que haja alguma harmonia nas relações raciais de pessoas pertencentes a estoques raciais diferentes ou que pertencem a “raças” distintas. Democracia significa, fundamentalmente, igualdade racial, econômica e política. Ora, no Brasil, ainda hoje não conseguimos construir uma sociedade democrática nem mesmo para os “brancos” das elites tradicionais e das classes médicas em florescimento. É uma confusão, sob muitos aspectos, farisaica pretender que o negro e o mulato contem com a igualdade de oportunidades diante do branco, em termos de renda, de prestígio social e de poder. O padrão brasileiro de relação social, ainda hoje dominante, foi construído por uma sociedade escravista, ou seja, para manter o “negro” sob a sujeição do “branco”. Enquanto esse padrão de relação social não for abolido, a distância econômica, social e política entre “negro” e “branco” será grande, embora tal coisa não seja reconhecida de modo aberto, honesto e explícito.

Os resultados da investigação que fiz, em colaboração com o Prof. Roger Bastide, demonstram que essa propalada “democracia racial” não passa, infelizmente, de um mito social. É um mito criado pela maioria e tendo em vista os interesses sociais e os valores morais da maioria; ele não ajuda o “branco” no sentido de obrigá-lo a diminuir as formas existentes de resistência à ascensão social do “negro”; nem ajuda o “negro” a tomar consciência realista da situação e lutar para modifica-la, de modo a converter a “tolerância racial” existente em um fator favorável a seu êxito como pessoa e como membro de um estoque “racial”.

Quais são os tipos de preconceito racial que existem?

Florestan Fernandes: De fato, existem várias formas socioculturais de preconceito racial. O que há de mal conosco consiste no fato de que tomamos como paralelo o tipo de preconceito racial explícito, aberto e sistemático posto em prática nos Estados Unidos. Todavia, os especialistas já evidenciaram que existem vários tipos de preconceito, e pelo menos um sociólogo brasileiro, o Prof. Oracy Nogueira, preocupou-se em caracterizar as diferenças existentes entre o preconceito racial sistemático, que ocorre nos Estados Unidos, e o preconceito dissimulado e assistemático, do tipo que se manifesta no Brasil. Já tentei, de minha parte, compreender geneticamente o nosso modo de ser. Segundo penso, o catolicismo criou um drama moral para os antigos senhores de escravos, pois a escravidão colidia com os “mores”* cristãos. Surgiu daí a tendência a disfarçar a inobservância dos “mores”, pela recusa sistemática do reconhecimento da existência de um preconceito que legitimava a própria escravidão. Sem a idéia de que o “negro” seria “inferior” e necessariamente “subordinado” ao “branco”, a escravidão não seria possível num país cristão. Tomaram-se estas noções para dar fundamento à escravidão e para alimentar outra racionalização corrente, segundo a qual o próprio negro seria “beneficiado” pela escravidão, mas sem aceitar-se a moral da relação que estabelecia entre o senhor e o escravo. Por isso, surgiu no Brasil uma espécie de preconceito reativo: o preconceito contra o preconceito de ter preconceito. Ao que parece, entendia-se que ter preconceito seria degradante e o esforço maior passou a ser o de combater a idéia de que existiria preconceito no Brasil, sem se fazer nada no sentido de melhorar a situação do negro e de acabar com as misérias inerentes ao seu destino humano na sociedade brasileira. Acho que aqui seria bom se lessem os trabalhos recentes publicados por sociólogos, antropólogos e psicólogos, mais ou menos concordantes, e, em particular, que o “branco” se reeducasse de tal maneira que pudesse pôr em prática, realmente, as disposições igualitárias que ele propala ter diante do “negro”.

Há segregação e discriminação racial no Brasil?

Florestan Fernandes: A discriminação que se pratica no Brasil é parte da herança social da sociedade escravista. No mundo em que o “negro” e o “branco” se relacionavam como escravo e senhor, este último tinha prerrogativas que aquele não possuía – nem podia possuir – como “coisa” que era e “fôlego vivo”, uma espécie de “instrumento animado das relações de produção”. A passagem da sociedade escrava para a sociedade livre não se deu em condições ideais. Ao contrario, o negro e o mulato viram-se submergidos na economia de subsistência, nivelando-se, então, com o “branco” que também não conseguia classificar-se socialmente, ou formando uma espécie de escória da grande cidade, vendo-se condenados à miséria social mais terrível e degradante. Apesar de seus ideais humanitários, o abolicionismo não conduziu os “brancos” a uma política de amparo ao negro e ao mulato. Como demonstram os resultados da análise pioneira de Roberto Simonsen, em trabalho magistral, nos momentos mais duros da transição existiram fazendeiro que defendiam a idéia de indenização. Nenhum deles se levantou em prol da indenização do escravo ou do liberto e, em conseqüência, os segmentos da população brasileira que estavam associados à condição de escravo ou de liberto viram-se nas piores condições de vida nas grandes cidades. Foram reduzidos a uma condição marginal, na qual se viram mantidos até o presente. Somente depois de 1945 começaram a surgir oportunidade de classificação na estrutura da ordem social competitiva, ainda assim, para número limitado de indivíduos potencialmente capazes de terem êxito na competição socioeconômica com os brancos. A discriminação existente é um produto do que chamei “persistência ao passado”, em todas as esferas das relações humanas na mentalidade do branco – na mentalidade do “branco” e do “negro”, nos seus ajustamentos à vida prática e na organização das instituições e dos grupos sociais. Para acabarmos com esse tipo de distriminação, seria necessário extinguir o padrão tradicional brasileiro de relação racial, e criar um novo padrão realmente igualitário e democrático de relação social, que conferisse igualdade econômica, social, cultural e política entre negros, brancos e mulatos. As mesmas idéias podem ser aplicadas à segregação. Esta foi praticada no passado senhorial, apesar da convivência por vezes íntima entre senhores e escravos. Fazia parte do duplo estilo de vida que separava espacial, moral e socialmente o “mundo da senzala” do “mundo da casa grande”. A segregação do negro é sutil e dissimulada, pois ele é confinado ao que os antigos líderes dos movimentos negros de São Paulo chamavam de porão da sociedade. As coisas estão se alterando, nos últimos tempos, mas de forma muito superficial e demorada. Para atingirmos a situação oposta, implícita no nosso mito de democracia racial, o negro e o mulato precisariam confundir-se com o branco num mundo de igualdade de oportunidades para todos, independentemente da cor da pele e da extração social. É pouco provável que isso se dê sem que os próprios negros e mulatos tenham consciência mais completa e profunda de seus interesses numa sociedade multirracial, em que eles constituem uma maioria deserdada e prescrita. Quanto tempo terá que correr para que consigam tratamento igualitário numa sociedade racialmente aberta? Essa pergunta parece-me fundamental. Os negros devem preparar-se para respondê-la e os “brancos” devem preparar-se para ajuda-los, solidariamente, a pôr em prática as soluções que a razão indicar, sem subterfúgios, e com grandeza humana.


*Mores: costumes e valores considerados essenciais por um grupo social

A questão racial segundo Oracy Nogueira

Fonte: Revista USP, n. 68

Os negros são desvalorizados nos meios de comunicação de massa?

Oracy Nogueira: Confesso que sinto um misto de indignação e de pesar quando vejo, na televisão, um cômico de cor a explorar, como fonte de hilaridade, alusões aos aspectos mais deprimentes e injustos do estereótipo corrente em relação ao negro, como o de ser este irresponsável, vagabundo, bêbado, e assim por diante. Quando vejo tais programas, não sei se minha maior indignação deve ser contra o ator negro que se dispôs a pagar um preço tão vil pela oportunidade de representar, ou contra a crueldade do produtor que dele exigiu esse desempenho. Enquanto outros grupos, como os judeus, estão sempre vigilantes para expurgar os programas teatrais, de rádio e de televisão de qualquer insinuação que reforce o estereótipo ou preconceito contra seu grupo, o negro é uma vítima inerte de programas que o ferem frequentemente com o conluio de membros de seu próprio grupo. Em parte, isso se dá porque, estando a maior parte da população de cor concentrada na camada menos favorecida, é dela que menos dependem as emissoras como fonte de anúncios. A gravidade dessa questão se torna ainda mais patente quando se tem em conta que os programas cômicos atraem, de um modo especial, as crianças e os jovens. A hilaridade e o ridículo são ótimos condimentos para a ingestão do preconceito.

Quais são os tipos de preconceito racial que existem?

Oracy Nogueira: Existem, basicamente, dois tipos, o preconceito de marca e o preconceito de origem. Onde existe o preconceito de marca, o que vale é a aparência física. A ideologia do preconceito de marca é assimilacionista e miscigenacionista, enquanto que o de origem é segregacionista e racista. No Brasil, onde predomina o preconceito de marca, a experiência decorrente do problema da cor varia com a intensidade das marcas e com a maior ou menor capacidade que tenha o indivíduo de contrabalança-la com outros característicos e condições, como elegância, talento, polidez, instrução, etc. Entre os próprios indivíduos de cor, há uma impressão generalizada de que é difícil levar a população negra a manifestações de solidariedade e de que, em geral, quando um preto ou mulato sobe socialmente, ele se desinteressa pela sorte de seus companheiros de cor, chegando mesmo a negar, com freqüência, a existência de preconceito. Nos Estados Unidos, a luta do negro, seja qual for sua aparência, é sobretudo uma luta coletiva. As próprias conquistas individuais são vistas como verdadeiras tomadas de novas posições em nome do grupo todo. E, em todo contato com pessoas brancas, mesmo nas organizações destinadas a combater as restrições raciais e a melhorar as relações entre diferentes minorias entre si e a maioria, o indivíduo de cor sempre assume um papel de representante vanguardeiro ou diplomata de seu grupo. Há esferas de atividades em que a discriminação é mais rígida, outras em que é menos rígida e outras ainda em que constituem esferas de trânsito mais livres para as pessoas de cor. Ela é mais rígida nas situações que implicam contatos íntimos e simétricos entre pessoas dos dois sexos e de diferentes idades, como, por exemplo, os clubes sociais. É notório, de outro lado, o sucesso de pessoas de cor em atividades como as esportivas, as musicais e, em geral as ligadas ao rádio e à televisão.

Como é possível resolver esse problema?

Oracy Nogueira: Antes de qualquer coisa, devemos chamar a atenção para a complexidade do problema, que não pode ser resolvido por nenhuma medida simplista. De qualquer modo, uma série de medidas poderá contribuir para melhorar a situação, pelo menos a longo termo. Entre essas medidas, incluir-se-iam as de caráter educativo, como esclarecimento dos jovens e da população em geral em relação ao problema. Outra seria de caráter legal, dando-se, por exemplo, eficácia à lei Afonso Arinos, que proíbe a discriminação, ou seja, a destituição de direitos com base em critérios racistas. O próprio negro deveria ser educado e assessorado por intelectuais, negros ou não, a fim de que não contribua, inconscientemente, para o reforço do estereótipo deprimente e, consequentemente, do preconceito corrente em relação ao seu grupo.

questão racial segundo Oracy

Nogueira

Os negros são desvalorizados nos meios de comunicação de massa?

Oracy Nogueira: Confesso que sinto um misto de indignação e de pesar quando vejo, na televisão, um cômico de cor a explorar, como fonte de hilaridade, alusões aos aspectos mais deprimentes e injustos do estereótipo corrente em relação ao negro, como o de ser este irresponsável, vagabundo, bêbado, e assim por diante. Quando vejo tais programas, não sei se minha maior indifnação deve ser contra o ator negro que se dispôs a pagar um preço tão vil pela oportunidade de representar, ou contra a crueldade do produtor que dele exigiu esse desempenho. Enquanto outros grupos, como os judeus, estão sempre vigilantes para expurgar os programas teatrais, de rádio e de televisão de qualquer insinuação que reforce o estereótipo ou preconceito contra seu grupo, o negro é uma vítima inerte de programas que o ferem frequentemente com o conluio de membros de seu próprio grupo. Em parte, isso se dá porque, estando a maior parte da população de cor concentrada na camada menos favorecida, é dela que menos dependem as emissoras como fonte de anúncios. A gravidade dessa questão se torna ainda mais patente quando se tem em conta que os programas cômicos atraem, de um modo especial, as crianças e os jovens. A hilaridade e o ridículo são ótimos condimentos para a ingestão do preconceito.

Quais são os tipos de preconceito racial que existem?

Oracy Nogueira: Existem, basicamente, dois tipos, o preconceito de marca e o preconceito de origem. Onde existe o preconceito de marca, o que vale é a aparência física. A ideologia do preconceito de marca é assimilacionista e miscigenacionista, enquanto que o de origem é segregacionista e racista. No Brasil, onde predomina o preconceito de marca, a experiência decorrente do problema da cor varia com a intensidade das marcas e com a maior ou menor capacidade que tenha o indivíduo de contrabalança-la com outros característicos e condições, como elegância, talento, polidez, instrução, etc. Entre os próprios indivíduos de cor, há uma impressão generalizada de que é difícil levar a população negra a manifestações de solidariedade e de que, em geral, quando um preto ou mulato sobe socialmente, ele se desinteressa pela sorte de seus companheiros de cor, chegando mesmo a negar, com freqüência, a existência de preconceito. Nos Estados Unidos, a luta do negro, seja qual for sua aparência, é sobretudo uma luta coletiva. As próprias conquistas individuais são vistas como verdadeiras tomadas de novas posições em nome do grupo todo. E, em todo contato com pessoas brancas, mesmo nas organizações destinadas a combater as restrições raciais e a melhorar as relações entre dierentes minorias entre si e a maioria, o indivíduo de cor sempre assume um papel de representante vanguardeiro ou diplomata de seu grupo. Há esferas de atividades em que a discriminação é mais rígida, outra em que é menos rígida e outras ainda em que constituem esferas de trânsito mais livres para as pessoas de cor. Ela é mais rígida nas situações que implicam contatos íntimos e simétricos entre pessoas dos dois sexos e de diferentes idades, como, por exemplo, os clubes sociais. É notório, de outro lado, o sucesso de pessoas de cor em atividades como as esportivas, as musicais e, em geral as ligadas ao rádio e à televisão.

Como é possível resolver esse problema?

Oracy Nogueira: Antes de qualquer coisa, devemos chamar a atenção para a complexidade do problema, que não pode ser resolvido por nenhuma medida simplista. De qualquer modo, uma série de medidas poderá contribuir para melhorar a situação, pelo menos a longo termo. Entre essas medidas, incluir-se-iam as de caráter educativo, como esclarecimento dos jovens e da população em geral em relação ao problema. Outra seria de caráter legal, dando-se, por exemplo, eficácia à lei Afonso Arinos, que proíbe a discriminação, ou seja, a destituição de direitos com base em critérios racistas. O próprio negro deveria ser educado e assessorado por intelectuais, negros ou não, a fim de que não contribua, inconscientemente, para o reforço do estereótipo deprimente e, consequentemente, do preconceito corrente em relação ao seu grupo.

Casos de preconceito racial descritos por Florestan Fernandes

Casos de preconceito racial descritos por Florestan Fernandes em A integração do Negro na Sociedade de Classes (São Paulo, Editora da USP, 1965, v. 1, p. 211-6)

Caso 1 - jovem negro nos anos 1950:

“Enquanto a preocupação do grupo foi futebol, não houve maiores choques com os companheiros, pois eu era um bom jogador e eles precisavam de mim. É fato que, umas vezes por zanga, outras de brincadeira, era chamado de preto e isso não deixava de amargurar-me. A certa altura, percebi um trabalho do grupo para eu não ir a certos lugares. Isto durou até o dia em que um dos companheiros, que gostava muito de mim, disse: ‘entramos para uma sociedade de baile e já falei com a diretoria, que concordou que você fizesse proposta, impondo, entretanto, a condição de só frequentar os ensaios de homens, não podendo eu comparecer às reuniões de que participassem as damas. Os ensaios eram realizados às terças-feiras. Parece que dançar com preto constituía algo degradante”.

Caso 2 - o baile de formatura de um estudante negro sem par:

“Quando por ocasião de minha formatura no colégio, convidei para ser minha madrinha uma das filhas do cidadão que me criou e de quem eu sou considerado irmão de criação. Ela aceitou o convite e preparamo-nos para o dia. Fomos à festa e tudo correu normalmente até o baile. Como eu era o chefe da comissão de formatura, fui antes ao salão para ultimar algumas providências e, antes um pouco da meia noite, quando os formandos iriam dançar a valsa especial, recebi um recado dela, dizendo que não ia sair de casa porque não estava se sentindo bem. Fingi acreditar, porque vivendo há muitos anos com eles, bem conhecia-os e sabia que ela estava se desculpando só para não dançar a valsa comigo. No dia seguinte, soube que ela ficou quase que a noite toda jogando...”

Caso 3 – namoro de um negro com uma branca

“Todas as namoradas que tive não comunicavam a seus pais essa situação, porque, em certos casos, poderia eu sofrer até risco de vida. A maioria dos pais acreditava que não passava de pura amizade minhas relações com suas filhas. Jamais desconfiaram até da real situação. Houve apenas um caso, digno de nota: estava na terceira série ginasial e em minha classe havia uma mocinha morena, a mais bela da classe, e filha de grande fazendeiro de café. Desde o começo, a disputa pela posse de sua simpatia foi grande. Não concorri, como era costume acontecer. Todavia, fui me esmerando nos estudos, até assumir a liderança da classe. Não sendo muito boa aluna, era obrigada a, de quando em vez, recorrer a mim, para poder seguir o ritmo do curso. Desses contatos nasceu a simpatia. Tínhamos encontros todas as noites e ela foi simpatizando-se cada vez mais comigo. Houve até troca de fotografias, e, depois dela me ter dado mais de meia dúzia das suas, concordei, com muito medo, em dar-lhe uma das minhas. Certo dia, a diretora do curso chamou-me e disse que não podia consentir na minha permanência naquela escola. Insisti em saber porque e ela não revelou-me qualquer pormenor. Passados alguns dias daquele incidente, sou surpreso com a chamada do diretor do ginásio. Compareci em seu gabinete e ele disse-me que não me expulsava do ginásio porque tratava-se de um estabelecimento oficial, e também em consideração à família que me criava, mas que ia transferir-me para outra classe, assim tendo feito. Fiquei furioso e insisti em saber do que se tratava, mas não soube. Tinha uma leve desconfiança porque não mais tive contato com a mocinha e ela era esperada todos os dias pelo robusto motorista de seu pai. Dias após é que fiquei ciente de tudo, por intermédio de uma empregada da casa de minha ‘namorada’: a mãe da menina, dando uma olhadela nos guardados desta, encontrou minha foto guardada em uma caixinha de prata no seu guarda-roupas. Chamou a garota e perguntou a razão daquela foto que, em vista da dedicatória, desconfiava não ser simples amizade, mesmo se tratando de um negrinho. A menina disse que gostava de mim, muito embora negro eu fosse, e disse que já se sentia capaz de discernir. Conseqüência: tomou uma surra tremenda e foi proibida de sair sozinha durante muito tempo. A mãe, estendendo sua ira implacável, foi àquele curso e pediu a minha retirada dali”.

Delicadeza


15 de maio de 2010

MARIA RITA KEHL - O Estado de S.Paulo

Se eu fosse Deus e se eu existisse, executaria em São Paulo uma prosaica providência administrativa. Tombaria a cidade inteira pelos próximos dez anos: como está, fica. Não se derruba mais nada, não se constrói mais nada. Tratem de melhorar a cidade que já existe: monstruosa, desigual, mal planejada e mal cuidada. Se é para movimentar dinheiro, invistam-se nos espaços públicos: ruas, praças, jardins, calçadas, iluminação, centros de lazer, prevenção contra enchentes - tudo o que faz, de um amontoado de moradias, algo parecido com a magnífica invenção humana chamada cidade. Investir em urbanidade também dá retorno financeiro.

Vista assim do alto, do ponto de vista celeste, São Paulo mais parece uma cidade bombardeada. Imensas crateras em todos os bairros, quarteirões de casas derrubadas, populações pobres jogadas de lá pra cá à procura de lugar para criar novos campos de refugiados de onde serão expulsas pouco tempo depois. Inundações, trânsito bloqueado, gente desesperada presa dentro dos carros parados, gente enlouquecendo pela dificuldade de tocar o dia a dia. Gente que sente no corpo e na alma os efeitos de viver sob uma cúpula negra de poluição que só se vê de cima. Parece uma guerra, mas é só o capitalismo: bombando, enriquecendo alguns e empobrecendo o resto. Enquanto a cidade se torna infernal, se oferece aos que podem pagar o lenitivo de viver numa torre, bem acima do chão, de onde se finge escapar da realidade urbana. O uso novo-rico da palavra torre substituiu as obsoletas "edifício" e "prédio", além da simpática e infantil "arranha-céu". Nas histórias de fadas, a torre era o lugar onde se encarceravam as princesas. Privilégio em São Paulo é viver encerrado numa torre.

Mas como parar todos os negócios imobiliários da cidade? E a economia? E a geração de empregos? Digamos que, se eu fosse Deus, daria um jeito nisso. Se uma prefeitura rica como a nossa, em vez de se tornar cliente de um setor poderoso, investisse os impostos que recebe em outras atividades, em pouco tempo a cidade recuperaria sua pujança. Digamos que seja possível planejar um pouco a economia municipal. Só assim deixaríamos de ser reféns de quem já detém poder econômico. Dez anos são menos que uma fração de segundo pra quem vê o tempo do ponto de vista da eternidade. Mas quem sabe, tempo suficiente para que a cidade pudesse eleger uma nova prefeitura e uma câmara dos vereadores livres de compromissos com o poderoso Secovi, maior sindicato de comércio imobiliário da América Latina.

Mas - em nome de que Deus faria uma coisa dessas? Em nome de que impediria a cidade de, digamos - "crescer"? Não, Deus não precisaria ser socialista. Nem urbanista. Bastaria agir em nome de um valor que está presente em todas as perspectivas sagradas, religiosas ou simplesmente humanistas: em nome da delicadeza. Bastaria considerar que as cidades não existem para impressionar e oprimir as pessoas, mas para ampliar a esfera da liberdade, das possibilidades e daquilo que se costuma chamar de urbanidade.

Nesse ponto convido o leitor a trocar a vista aérea de São Paulo pelo ponto de vista pedestre. Basta descer um pouco do carro e passear a esmo pelas ruas. Se achar a proposta muito mixuruca, finja que é Baudelaire flanando por Paris no século 19, tentando captar o que sobrou da antiga cidade depois da monumental reforma executada por Haussmann a mando de Napoleão III. Ou finja que você é o João do Rio, cronista da capital brasileira reformada por Pereira Passos. A diferença, claro, é que essas duas enormes destruições/reconstruções urbanas foram planejadas visando a modernizar o espaço público, enquanto hoje a construção civil compra o poder público e faz literalmente o que quer em nome do interesse das pessoas, isto é, do mercado. Parece que o mercado é igual à soma das vontades das pessoas. Não é. O que chamamos mercado é um dispositivo formado por poucos, porém grandes interesses, que se impõe às pessoas de modo a determinar o que elas devem querer.

O que será de uma cidade que destrói todas as suas reservas de delicadeza, de graça, de modéstia? Caminhe um pouco pelas ruas de seu bairro em busca dos cantinhos que ainda não foram devastados por alguma obra grandiosa e brega. O que será de uma cidade sem varandas? Sem janelas dando para a rua - e o gato que espia pelo vidro de uma delas? O que será de nosso convívio diário numa cidade sem o pequeno comércio da rua, responsável pelo território coletivo onde as pessoas aos poucos se conhecem, se cumprimentam, conversam? Uma cidade sem zonas de familiaridade? O que será de uma cidade sem as vilas com casas antigas onde o pedestre entra sem passar por uma guarita e encontra um micro-oásis de sombra e silêncio? Sem a minúscula pracinha que sobrou numa esquina onde se esqueceram de construir outra coisa? Procure os lugares em que ainda seja possível o encontro entre o público e o privado, o íntimo e o estranho, o desafiante e o acolhedor. O que será de uma cidade que é pura arrogância, exibicionismo e eficiência? O que será de nós, moradores de uma cidade que despreza a vida urbana?

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Sugestão de Filme - Entreatos



De 25 de setembro a 27 de outubro de 2002, a equipe de Entreatos acompanhou passo a passo a campanha de Luís Inácio Lula da Silva à presidência da República. O filme revela os bastidores de um momento histórico através de material exclusivo, como conversas privadas, reuniões estratégicas, telefonemas, traslados, gravações de pronunciamentos e programas eleitorais.


Ficha Técnica
Título original: Entreatos
Gênero: Documentário
Duração: 117 min.
Lançamento (Brasil): 2004
Tempo de Duração: 117 min.
Ano de Lançamento (Brasil): 2004
Distribuição: Lumiére
Direção: João Moreira Salles
Produção executiva: Mauricio Andrade Ramos
Direção de produção: Raquel Freire Zangrandi
Co-produção: Videofilmes
Direção de fotografia: Walter Carvalho, ABC
Som direto: Aloysio Compasso e Heron Alencar
Pré-edição: Alexandre Saggese
Edição final: Felipe Lacerda
Finalização de imagem: Flávio Nunes
Edição de som e mixagem: Denilson Campos
Coordenação de lançamento: Alexandra Maia
Assessoria de imprensa: Anna Luiza Muller, Margarida Oliveira e Carol Moraes
Pressbook: Carlos Alberto Mattos

Curiosidades


- Entreatos é um documentário de longa-metragem que flagra os bastidores de um momento histórico. Um momento de poucos precedentes na história mundial, que foi a chegada de um ex-líder operário à presidência de uma república. O termo bastidores assume aqui o seu sentido mais pleno, já que o filme enfoca cenas privadas do cotidiano de Luís Inácio Lula da Silva nos dias e momentos que antecederam sua definitiva consagração nas urnas, em outubro de 2002, após três tentativas frustradas em eleições anteriores.

- A intenção original de João Moreira Salles era acompanhar a campanha apenas durante o segundo turno, quando Lula enfrentaria o candidato José Serra. Mas, diante da possibilidade muito elevada de uma vitória de Lula já no primeiro turno, o início das filmagens foi antecipado para 25 de setembro de 2002.

- A pequena equipe de filmagem desfrutou de um acesso inédito em documentários do gênero. Foram filmados comícios, carreatas, traslados, entrevistas coletivas, gravações de pronunciamentos e de programas eleitorais, reuniões privadas, encontros familiares, camarins, elevadores, telefonemas etc. O material filmado era guardado em cofres e não teve nenhuma divulgação até que o filme estivesse finalizado, já no ano de 2004. As gravações originais, em vídeo digital, totalizaram 240 horas.

- Na edição final, os realizadores optaram por privilegiar as cenas mais reservadas de Lula na campanha, aquelas testemunhadas apenas pela equipe do filme. Assim, da seqüência inicial com o candidato embalado pela massa nas ruas até a cena final de Lula sendo tragado pelo fragor da mídia, já como presidente eleito, o que se vê é uma sucessão de momentos ora tensos, ora engraçados, mas sempre reveladores da personalidade e das aspirações pessoais de Lula, das circunstâncias de sua campanha e do grande acontecimento democrático que foram aquelas eleições.

- O lançamento de Entreatos ocorre simultaneamente ao de Peões, o documentário que Eduardo Coutinho rodou no mesmo período com ex-metalúrgicos que militaram nas greves históricas do ABC, mas permaneceram em relativo ou total anonimato. Os dois filmes se completam e se enriquecem mutuamente, formando um desenho mais acabado tanto da figura de Lula, como das lentas e complexas transformações que ligam o movimento sindicalista do ABC à chegada do PT ao poder em 2002.


Partidos políticos - Evolução

Das origens aos partidos de massa

Renato Cancian*

Reprodução

A inclusão política das massas populares foram seguidas por transformações econômicas e sociais

Os partidos políticos surgiram na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, no decorrer da primeira metade do século 19. A democratização do poder político abriu espaço, inicialmente, àparticipação das elites econômicas e sociaisnos processos decisórios dos governos.

Naquela época, apenas parcelas muito restritas das classes mais abastadas tinham direitos políticos. Portanto, as primeiras organizações partidárias surgem como estruturas organizativas encarregadas de recolher votos para os candidatos a elas vinculados.

Nessa fase inicial, os partidos políticos funcionavam de modo muito primitivo, pois eram liderados por influentes aristocratas locais ou burgueses da alta sociedade, que apresentavam os candidatos aos cargos eletivos e financiavam as campanhas.

Além dos aspectos já mencionados, esses partidos funcionavam apenas nos períodos eleitorais. Na literatura acadêmica, esse tipo de partido é também chamado de partido dos notáveis, devido à sua composição social, ou ainda departido parlamentar, em razão do seu funcionamento estar vinculado aos parlamentares.

Os partidos de massa

A progressiva expansão dos direitos políticos resultou na integração de setores cada vez mais amplos da sociedade civil no sistema político. A emancipação e inclusão política das massas populares foram acompanhadas por transformações econômicas e sociais provocadas pela modernização das sociedades.

Desses processos surgem os partidos políticos de massa, cuja organização assume feição distinta. Já não se trata de uma organização difusa e temporária, tal como os partidos elitistas, mas uma organização altamente burocratizada, constituída de funcionários e programas políticos definidos. Sua função principal é competir nas eleições para conquistar votos e exercer o poder governativo.

Os partidos de massa surgiram para canalizar as demandas políticas de um eleitorado específico, ou seja, as classes trabalhadoras. Exemplos do aparecimento dos partidos políticos de massa são os partidos dos trabalhadores e os partidos socialistas, especialmente na Europa de fins do século 19 e início do século 20.

No transcurso do século 20, sobretudo nos países da Europa Ocidental e da América do Norte, os partidos de massa, cujo conteúdo programático compunha-se de interesses classistas, se transmutaram em partidos eleitorais cuja função passou a ser a de canalizar as demandas de um eleitorado cada vez mais amplo e diversificado.

Nesse contexto, os partidos de massa assumiram formas organizacionais ainda mais burocratizadas, compondo-se de quadros de profissionais especializados na propaganda e na competição eleitoral.

Fonte: Portal UOL - Educação (Visita em 26/07/2010)
Renato Cancian é cientista social, mestre em sociologia-política e doutorando em ciências sociais. É autor do livro Comissão Justiça e Paz de São Paulo: gênese e atuação política - 1972-1985.