quarta-feira, 28 de julho de 2010

Casos de preconceito racial descritos por Florestan Fernandes

Casos de preconceito racial descritos por Florestan Fernandes em A integração do Negro na Sociedade de Classes (São Paulo, Editora da USP, 1965, v. 1, p. 211-6)

Caso 1 - jovem negro nos anos 1950:

“Enquanto a preocupação do grupo foi futebol, não houve maiores choques com os companheiros, pois eu era um bom jogador e eles precisavam de mim. É fato que, umas vezes por zanga, outras de brincadeira, era chamado de preto e isso não deixava de amargurar-me. A certa altura, percebi um trabalho do grupo para eu não ir a certos lugares. Isto durou até o dia em que um dos companheiros, que gostava muito de mim, disse: ‘entramos para uma sociedade de baile e já falei com a diretoria, que concordou que você fizesse proposta, impondo, entretanto, a condição de só frequentar os ensaios de homens, não podendo eu comparecer às reuniões de que participassem as damas. Os ensaios eram realizados às terças-feiras. Parece que dançar com preto constituía algo degradante”.

Caso 2 - o baile de formatura de um estudante negro sem par:

“Quando por ocasião de minha formatura no colégio, convidei para ser minha madrinha uma das filhas do cidadão que me criou e de quem eu sou considerado irmão de criação. Ela aceitou o convite e preparamo-nos para o dia. Fomos à festa e tudo correu normalmente até o baile. Como eu era o chefe da comissão de formatura, fui antes ao salão para ultimar algumas providências e, antes um pouco da meia noite, quando os formandos iriam dançar a valsa especial, recebi um recado dela, dizendo que não ia sair de casa porque não estava se sentindo bem. Fingi acreditar, porque vivendo há muitos anos com eles, bem conhecia-os e sabia que ela estava se desculpando só para não dançar a valsa comigo. No dia seguinte, soube que ela ficou quase que a noite toda jogando...”

Caso 3 – namoro de um negro com uma branca

“Todas as namoradas que tive não comunicavam a seus pais essa situação, porque, em certos casos, poderia eu sofrer até risco de vida. A maioria dos pais acreditava que não passava de pura amizade minhas relações com suas filhas. Jamais desconfiaram até da real situação. Houve apenas um caso, digno de nota: estava na terceira série ginasial e em minha classe havia uma mocinha morena, a mais bela da classe, e filha de grande fazendeiro de café. Desde o começo, a disputa pela posse de sua simpatia foi grande. Não concorri, como era costume acontecer. Todavia, fui me esmerando nos estudos, até assumir a liderança da classe. Não sendo muito boa aluna, era obrigada a, de quando em vez, recorrer a mim, para poder seguir o ritmo do curso. Desses contatos nasceu a simpatia. Tínhamos encontros todas as noites e ela foi simpatizando-se cada vez mais comigo. Houve até troca de fotografias, e, depois dela me ter dado mais de meia dúzia das suas, concordei, com muito medo, em dar-lhe uma das minhas. Certo dia, a diretora do curso chamou-me e disse que não podia consentir na minha permanência naquela escola. Insisti em saber porque e ela não revelou-me qualquer pormenor. Passados alguns dias daquele incidente, sou surpreso com a chamada do diretor do ginásio. Compareci em seu gabinete e ele disse-me que não me expulsava do ginásio porque tratava-se de um estabelecimento oficial, e também em consideração à família que me criava, mas que ia transferir-me para outra classe, assim tendo feito. Fiquei furioso e insisti em saber do que se tratava, mas não soube. Tinha uma leve desconfiança porque não mais tive contato com a mocinha e ela era esperada todos os dias pelo robusto motorista de seu pai. Dias após é que fiquei ciente de tudo, por intermédio de uma empregada da casa de minha ‘namorada’: a mãe da menina, dando uma olhadela nos guardados desta, encontrou minha foto guardada em uma caixinha de prata no seu guarda-roupas. Chamou a garota e perguntou a razão daquela foto que, em vista da dedicatória, desconfiava não ser simples amizade, mesmo se tratando de um negrinho. A menina disse que gostava de mim, muito embora negro eu fosse, e disse que já se sentia capaz de discernir. Conseqüência: tomou uma surra tremenda e foi proibida de sair sozinha durante muito tempo. A mãe, estendendo sua ira implacável, foi àquele curso e pediu a minha retirada dali”.

Um comentário:

  1. Muito interessante!Bom texto para vermos casos de preconceito!era exatamente o que eu procurava! Parabéns pelo excelente texto

    ResponderExcluir