domingo, 6 de fevereiro de 2011

Histórias de um suburbano convicto

ALESSANDRO BUZO

Folha de São Paulo, 24/08/2008 – Caderno DNA Paulistano 4/ Extremo Leste

Nos bairros nobres, uma viatura me dá sensação de proteção, já no Itaim Paulista fico pensando: - Será que vão me enquadrar?

Estava eu na produtora que trabalho, quando surgiu um trampo no Itaim Bibi, alguém tinha que ir no INPI [Instituto Nacional da Propriedade Industrial], se informar sobre o que faltava para registrar o nome "Buzão - Circular Periférico", que é o quadro que apresento no programa "Manos e Minas", da TV Cultura. Me ofereci para ir eu mesmo.

Vinte minutos e o buzão vira na rua Renato Paes de Barros, o meu destino era a rua Tabapuã, uma travessa, dei sinal, desci e pensei em almoçar, num restaurante vi placa indicando pratos como risoto de camarão, molho não sei das quantas e preços na faixa de R$ 35.

Outros parecidos, desisti e virei na rua Tabapuã, muitas câmeras por todo lado, muros altos, em um deles plaquinhas traziam o desenho de um cachorrinho e a frase: "Retire os dejetos de seu animal, você está sendo filmado".
Três câmeras apontadas, que bom não estar com um cachorrinho. Imaginei o cachorro defecando e o dono tentando fugir da cena do crime sem limpar, vários seguranças armados pulando do muro alto, sirenes, holofotes. - Não se mexa, você está cercado.
Cheguei no INPI, câmeras no portão de entrada, na recepção a mulher disse: - O sr. pode tirar o boné para tirar uma foto.
Imaginei o Big Brother, não deve ter tanta câmera como a rua Tabapuã.
Moro no Itaim Paulista, bairro no extremo leste de SP, com cerca de 320 mil habitantes.
Um bom lugar apesar do descaso público e dos 38 km que separam a gente do centro. Ali me sinto bem. É lá que escrevo meus livros e é lá que cresce meu filho, gosto tanto do lugar que costumam me chamar de suburbano convicto.
Algumas coisas mudaram, como a Estação de Trem do Itaim Paulista, nem sonhava em ver uma ali com escadas rolantes, até elevador para deficiente físico tem, coisa de primeiro mundo, querendo saber mais sobre o assunto acesse minha coluna no site (www.itaim paulista.com.br), O Trem do Século XXI, pra variar mostro que nem tudo são flores.
O contraste social entre o Itaim Bibi e o Itaim Paulista é gritante.
Não interessa aos que hoje têm o poder, dos políticos aos donos de canais de TV, que o povo se instrua, para manter esse contraste que a alguns interessa, é mais fácil para ele controlar e manter o poder, se o jovem ouve "Créu", melhor para quem está no poder, o povo da periferia ouvindo Latino, Ivete Sangalo, Daniel, Harmonia do Samba, do que escutando Racionais Mc's, MV Bill, Rappin Hood, GOG e outros.
A PM por exemplo, na região central e bairros nobres, uma viatura me dá sensação de proteção, já no Itaim Paulista fico pensando: - Será que vão me enquadrar?
Assim como a periferia é o quilombo moderno e todos nós (até quem não se assume) somos quilombolas, a polícia de hoje é o capitão do mato de ontem. Vamos falar de saúde, estava um tempo, sofrendo de dor no ouvido, meu amigo Toni Nogueira da produtora que trabalho pegando no meu pé: - Vai no médico, ouvido não é brincadeira, vai esperar ficar surdo?
Explicava pra ele que na periferia não adiantava nada eu ir no hospital, porque tudo vai pro clinico geral e ele só receita Cataflan, disse isso algumas vezes, inclusive nos que a dor apertava e eu tomava Cataflan, me auto medicando.
O assunto voltou a tona, ele disse: - Chega cedo que te pago um especialista. Fomos até o Hospital Paulista, na Vila Clementino, a recepcionista disse: - Qual o convênio ? Meu amigo disse: - É particular. - Sim senhor, a consulta é R$ 150.
Pagamos e fomos atendidos pelo dr. Miguel Kaoru Yoshio, simplesmente um dos diretores do hospital, em meia hora ele examinou boca, nariz e finalmente ouvido, fez 1.001 perguntas e uma lavagem, eu não tinha nada, a lavagem resolveu o problema e nem remédio ele receitou.
Uma semana depois meu sogro, que é aposentado e trabalhou a vida toda, estava com dor de ouvido, perdeu uma manhã na fila para chegar ao dr., o mesmo sentado em sua cadeira, ouviu as lamentações de dores do meu sogro, pediu para ele virar a cabeça, nem levantou, não encostou um dedo e disse: - Tem um caroço no seu ouvido. E receitou CATAFLAN.
Se o espaço fosse maior, iria falar de educação e outros assuntos, mas fica para a próxima. 



ALESSANDRO BUZO é escritor e apresentador 

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