sábado, 5 de fevereiro de 2011

Pequeno dicionário de sociologia


Cultura: quando os sociólogos se referem à cultura, estão preocupados com aqueles aspectos da sociedade humana que são antes aprendidos do que herdados. Esses elementos culturais são compartilhados por membros da sociedade e tornam possível a cooperação, a comunicação e a dominação. Formam o contexto comum em que os indivíduos numa sociedade vivem as suas vidas, e a estrutura simbólica que orienta as relações de poder entre classes sociais dentro de uma sociedade. A cultura de uma sociedade compreende tanto aspectos intangíveis – as crenças, as idéias e os valores que formam o conteúdo da cultura – como também aspectos tangíveis – os objetos, os símbolos ou a tecnologia que representam esse conteúdo.
O termo cultura se refere de forma ampla ao modo de vida. Nessa perspectiva, cultura aqui inclui um modo de pensar, a língua, os valores, os costumes e as normas, os hábitos e as práticas cotidianas, os bens materiais, as formas de viver de um povo. Todo mundo tem cultura!
A cultura é necessariamente algo aprendido, por isso, cada pessoa aprende a cultura inicialmente com a família, a escola, e todos os agentes de socialização. E é na medida em que compartilhamos a cultura que nos comunicamos e vivemos em sociedade. A cultura orienta a nossa conduta sem que precisemos pensar sobre isso. Dedicamo-nos aos estudos porque a cultura valoriza essa prática; assim como ela valoriza a maternidade e a família, o que explica a intensa dedicação de muitas mães a seus filhos e a culpa que elas sentem quando fracassam nesse aspecto. Muitas vezes esses valores e normas culturais não estão escritos em lugar nenhum, não são regidos por leis, mas pelo hábito, pelos costumes que passam de uma geração a outra, pela forma de interpretar e entender a vida e as relações entre as pessoas.
Na teoria social, especialmente na Antropologia, cultura é um termo que se opõe à natureza. A cultura é o que diferencia os humanos dos animais. Alguns animais parecem ter uma linguagem simbólica – como a linguagem de vôo das abelhas, por exemplo –, mas essa linguagem não é ensinada nem aprendida: a abelha já nasce sabendo. Faz parte de seu instinto e seu código genético. No caso da humanidade, é bem diferente: a simbologia e a linguagem têm de ser aprendidas. Uma criança pode ser filha de pais brasileiros, mas, se desde recém-nascida for criada por alemães na Alemanha, ela aprenderá a língua alemã e a cultura desse país no qual está sendo socializada. Não há nada no ‘gene’ ou no corpo da criança que traga uma ‘cultura’, ela é sempre uma experiência aprendida através da vivência e da convivência nas instituições. Por outro lado, a diversidade de culturas prova que ela é a marca humana do aprendizado coletivo. Assim, há muitas e variadas culturas, há tantas culturas quantas formas de ver e de viver.

Etnocentrismo: Toda cultura tem seus próprios padrões de comportamento, os quais parecem estranhos às pessoas de outras formações culturais. O etnocentrismo é o julgamento de uma cultura pelos padrões culturais de outra. O que para nós é normal, para outra cultura pode soar como estranho e bárbaro; e vice-versa: frequentemente julgamos bárbaros aqueles que são diferentes de nós, temos nojo de alguns de seus comportamentos, pois estamos habituados com outro padrão de valores. Montaigne, um filósofo francês, ao ler os relatos de viajantes ao Brasil sobre o canibalismo praticado em terras tupiniquins, não fica tão chocado quanto era costume na época; ele já adota uma postura de relativismo cultural, muito importante na antropologia. Ele encontra a lógica do canibalismo, talvez mais racional – do ponto de vista daquela cultura – do que as próprias guerras entre as nações “civilizadas” da Europa: “Mas, voltando ao assunto, não vejo nada de bárbaro ou selvagem no que dizem daqueles povos; e, na verdade, cada qual considera bárbaro o que não pratica em sua terra... Por certo em relação a nós são realmente selvagens, pois entre suas maneiras e as nossas há tão grande diferença que ou o são ou o somos nós!”. A alteridade dos “selvagens” punha em xeque as certezas arraigadas no imaginário ocidental.

Identidade: Este termo é usado em várias disciplinas, na Psicologia e na Filosofia, por exemplo. Nas Ciências Sociais, identidade refere-se à maneira como uma pessoa se sente sobre quem ela é, o que é significativo para ela se definir, e com quem ela compartilha determinados atributos sociais ou algumas experiências. Tem relação, portanto, com uma sensação individual de ‘quem eu sou’. Mas, ao mesmo tempo, a identidade é também social e coletiva, porque, para definir ‘quem sou’, cada pessoa utiliza critérios sociais. Assim, nossa identidade é sempre individual e social ao mesmo tempo. Ela é um tipo de ‘lugar social’ que cada pessoa ocupa. A identidade está ligada à sensação de ser parte de um grupo. Um grupo sempre se destaca ou se define em relação a outro grupo. Nesse sentido, ter uma identidade é apresentar semelhanças com algumas pessoas e apresentar diferenças em relação a outras. Por isso, dizemos que a identidade é situacional. Um exemplo: uma pessoa se sente ‘mais’ brasileira numa situação em que se opõe a alguém de outro país, em geral num contexto de viagem, migração ou mesmo numa época especial, como durante a Copa do Mundo. Em contextos assim é que a ‘identidade ‘nacional’ se torna relevante. No entanto, em outra situação, quando no seu país, mas fora de seu estado, um indivíduo pode se sentir ‘mais’ nordestino quando se encontra no estado de São Paulo, ou mais especificamente pernambucano num estado do Nordeste que não seja o seu. Nesse exemplo vemos que a identidade é contrastiva, e cria fronteiras simbólicas entre grupos de pessoas.
Como se vê, cada pessoa tem várias identidades que podem ser acionadas em contextos particulares. A identidade pode ser nacional, regional, ou identidade de gênero, de orientação sexual, identidade étnica ou cultural. Mas nenhuma dessas identidades define a pessoa integralmente, pois em geral lidamos com várias delas. Por exemplo, a identidade de gênero, ser homem ou mulher, nunca é capaz de dar conta de toda a experiência de uma pessoa. Mas é assim que sermos vistos socialmente, e certamente este é um atributo que constrói muitas de nossas sensações sobre quem somos. No entanto, se uma pessoa é uma mulher, isso não é tudo o que ela é – ela também tem outros atributos identitários importantes. Podemos pensar em vários aspectos, tais como ser negra, mãe, professora, paulista, católica, corinthiana, praticante de caratê, alguém que gosta de rock. Tudo isso (e provavelmente muito mais) compõe a sua sensação de ser quem ela é, da sua identidade. Alguns desses aspectos se sobressaem em determinadas situações de sua vida ou em certos contextos históricos e políticos; em outros, não. A identidade sempre envolve dimensões coletivas que podem ser fortemente acionadas, levando a movimentos sociais quando ela é fonte de algum tipo de desigualdade ou discriminação. Os movimentos negro, feminista e homossexual, por exemplo, são movimentos sociais identitários. Isso significa que são movimentos organizados a partir de experiências comuns que os sujeitos têm, por partilhar algum atributo social.

Instituições sociais: São modos estáveis ou ‘obrigatórios’ de pensar, de sentir e de se relacionar com os outros. Toda e qualquer instituição fornece aos indivíduos papéis sociais, regras ou expectativas sociais, assim como um ‘estoque de conhecimento’. Por exemplo, o casamento (ou a família) é uma instituição social. Nele, são distribuídos papéis (de ‘marido’ e de ‘esposa’) baseados em regras, ou seja, baseados nas expectativas de como se relacionar. Além disso, existe uma série de interpretações disponíveis sobre o próprio casamento, quer dizer, existem várias fontes de conhecimento que nos informam sobre o que é essa instituição específica. Assim, as ‘instituições sociais’ servem como formas de organização que ordenam as relações sociais entre grupos e, também, as interações entre os indivíduos. Há outras instituições que são mais formalizadas, tais como a escola, a justiça, o Estado, a religião. Algumas delas impõem fortemente condutas específicas, papéis sociais determinados e regem formas de controle social.

Natureza/Desnaturalização: Natureza, nas Ciências Sociais, é o termo que se opõe à cultura e serve para designar tudo aquilo que estaria ‘antes’ da cultura ou que fosse independente dela. Por um lado, o termo se refere ao que chamamos de ‘meio’ ou ‘ambiente’. Neste sentido, a natureza é um espaço complexo, produzido por fatores geográficos, geológicos, climáticos etc., e dotado de vida ecológica, quer dizer, habitado por várias espécies de vegetais e animais. Por outro lado, as idéias de naturalidade e de ‘natural ligadas à biologia e à fisiologia do corpo humano. Por exemplo, se comer, nascer e morrer são fatos ‘naturais’ do corpo, isso significa que eles são parte ‘necessária’ do funcionamento corporal. Embora fatos como comer, nascer ou morrer sejam naturais, eles são ao mesmo tempo sociais, pois são vividos e representados como momentos muito fortes e significativos, ligados a vários aspectos simbólicos e culturais. No entanto, nossa sociedade tem ainda uma forte ideologia da natureza. Uma delas é a tendência a naturalizar, ou seja, a tendência a explicar diferentes práticas e comportamentos humanos com base em atributos biológicos. Por exemplo, é bastante comum a tendência de se naturalizar o chamado ‘amor materno’, como se ele decorresse do corpo fisiológico feminino. Essa tendência supostamente ‘natural’ à maternidade e ao amor já foi interpretada, no final do século 19 e 20, como se fosse decorrente do útero e dos ovários; dos hormônios na visão médica de meados do século XX; ou dos genes, na ideologia do início do século XXI. Ao longo do tempo, de acordo com a tendência dominante da medicina na época, a força ‘natural’ muda de lugar, o que mostra que talvez não seja simplesmente natural, mas trata-se de uma visão cultural e histórica sobre a natureza e sobre o corpo e sua fisiologia. Assim, um dos maiores esforços das Ciências Sociais consiste na desnaturalização, ou seja, a recusa de explicações baseadas na natureza e no essencialismo biológico. Isso ocorre porque os atributos biológicos não explicam a variedade de comportamentos e valores humanos, pois estes são culturais e históricos, apesar de sua aparente ‘naturalidade’. Mais recentemente, a ideia de desnaturalização foi mais utilizada e desenvolvida nos estudos de gênero, raça e sexualidade.

Socialização: o processo pelo qual as crianças, ou outros novos membros da sociedade, aprendem o modo de vida de sua sociedade é chamado de socialização. A socialização é o principal canal para a transmissão da cultura através do tempo e das gerações. Os sociólogos falam com frequência que a socialização ocorre em duas grandes fases, envolvendo um número de diferentes agentes de socialização. Os agentes de socialização são grupos ou contextos sociais em que ocorrem processos significativos de socialização. A socialização primária ocorre na primeira infância e na infância e é o mais intenso período de aprendizado cultural. É o tempo em que as crianças aprendem a língua e os padrões básicos de comportamento que formam a base para o aprendizado posterior. A família é o principal agente de socialização durante essa fase. A socialização secundária tem lugar mais tarde na infância e na maturidade. Nessa fase, outros agentes de socialização assumem algumas das responsabilidades que antes eram da família. As escolas, os grupos de iguais, as organizações, a mídia e finalmente o lugar de trabalho se tornam formas socializantes para os indivíduos. As interações sociais nesses contextos ajudam as pessoas a aprenderem os valores, as normas e as crenças que constituem os padrões de sua cultura.

Valores e normas: Fundamentais a todas as culturas são as idéias que definem o que é considerado importante, válido e desejável. Um grupo poderoso em uma sociedade é aquele grupo que consegue fazer com que sejam reconhecidos como as idéias e as práticas mais valorizadas por toda a sociedade aquilo que eles pensam, agem e são. Segundo Marx, a classe dominante só consegue ser dominante porque universaliza seus valores particulares – a idéia de ideologia. Os valores e as normas variam enormemente através das culturas. Algumas culturas valorizam altamente o individualismo, enquanto outras podem colocar maior ênfase na solidariedade e na hierarquia. Um simples exemplo torna isso claro. A maioria dos alunos na Grã-Bretanha se sentiria ultrajado em encontrar outro estudante ‘colando’ em um exame. Na Grã-Bretanha, principalmente nas classes médias, copiar do trabalho de outra pessoa vai contra valores centrais de realização e individual, de igualdade de oportunidade, de trabalho duro e de respeito às regras. Já no Brasil, os estudantes ficariam perplexos com esse sentimento de ultraje entre seus pares britânicos. Os brasileiros colam tranquilamente, faz parte do jeitinho brasileiro de resolver problemas, ainda que em determinadas frações da classe média esse comportamento também possa ser visto como uma vergonha.

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